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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Tempo de terror no Jardim Rosana

O momento da tragédia já ganhou várias versões, que correm pelo Jardim Rosana, bairro da região do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Eram pouco mais de 11 da noite e o dono do bar já tentava despedir a freguesia: “Gente, está na hora de fechar”. Havia semanas circulavam na região as ameaças feitas por policiais de que “coisas ruins poderiam acontecer”. Na prática, avisos como esse são interpretados como um toque de recolher – e o fato é que o perigo era iminente.
Os assassinos encapuzados chegaram ao bar anunciando: “Polícia!” Nesse ponto, não há divergência entre as versões, até porque as ameaças ouvidas por várias pessoas no bairro eram claras: a ação era uma vingança por alguém do bairro, dois meses antes, ter gravado e enviado à TV Globo um vídeo do momento em que policiais abordavam e aparentemente executavam Paulo Batista do Nascimento, o Limão, morador daquela mesma rua. Cinco PMs foram presos em novembro, depois da exibição das imagens – eles haviam registrado no boletim de ocorrência ter encontrado o corpo já sem vida em uma viela.
Há quem diga que, ao ouvir anúncio de que se tratava de policiais, Laércio, que estava próximo à porta do bar, gritou a resposta chave: “Calma, aqui só tem trabalhador!”
Só depois de ter levado um primeiro tiro na perna, a despeito de sua advertência de que não havia “vagabundos” no recinto, Laércio teria xingado: “Seus filhos da p…”. Outros dizem que ele os chamou de “covardes”. Há também gente que estava no bar, no momento do crime, que conta que não houve tempo de dizer nada.
Mas há quem lembre que, depois do grito “Polícia”, Laércio teria dito: “Não tenho medo de vocês, seus covardes”. Ou foi como se dissesse: na sequência, virou-lhes as costas – tanto é que tomou a coronhada de uma escopeta na nuca, antes de ser executado com vários tiros que o atingiram de costas, como me dizem. “Ele morreu como um homem, eles mataram como covardes”, emenda o narrador que, como quase todos os entrevistados, pede que seu nome não seja revelado.
Até o momento eram seis os policiais militares presos pela chacina que vitimou sete pessoas no dia 4 de janeiro, num bar na rua Reverendo Peixoto da Silva, no bairro do Jardim Rosana, zona Sul de São Paulo. A investigação policial e a Justiça vão compor sua própria versão sobre esse episódio trágico em que morreu o protagonista das histórias acima, o DJ Lah, Laércio de Souza Grimas, 33 anos, integrante do grupo Conexão do Morro. Mas poucos no Rosana acreditam que o crime será esclarecido até o fim.
Já se sabe que não é verdadeira a primeira versão que circulou, a de que teria sido Laércio o autor do vídeo exibido na Globo. Os moradores do bairro insistem: o responsável pela denúncia saiu dali logo depois de ter registrado as imagens. “Chegaram a dizer que o DJ tinha dito por aí que ele teria gravado. Isso não é verdade, estão querendo usá-lo como bode expiatório”, explica-me um deles.
A indignação é geral. Covardia é a palavra mais ouvida para descrever o que aconteceu. Todos os que morreram no bar eram “trabalhadores”, termo que na periferia paulistana significa o oposto de tudo o que deveria ser alvo da polícia: crime, vagabundagem, “vida fácil”. Quem vive ali encara um cotidiano árduo, feito de ocupações cansativas e mal pagas, além de horas de transporte público para chegar ao emprego, que frequentemente fica “da ponte pra lá”.
Não há como determinar se a expressão foi forjada pela canção dos Racionais MC’s ou se foram os rappers que captaram o termo que já circulava. Mas o fato é que para quase todos ali o mundo paulistano se divide entre os que vivem de um lado ou de outro das pontes do rio Pinheiros.
“Tá pensando que você está nos Jardins?”, alguém se lembra de ter ouvido de um policial durante um enquadro, depois de ter cobrado uma abordagem mais respeitosa. Os Jardins – uma das regiões mais ricas de São Paulo – ficam, claro, do outro lado da ponte.
Há muito o rap denuncia esses maus tratos, que não raro se convertem em violência mortal. O protesto contra a violência policial é a marca do Conexão do Morro desde que o grupo do DJ Lah começou a se destacar na cena paulistana, no final dos anos 90.
O single de estreia do trio, que veio à luz por volta de 1998, se chamava, justamente, “Saiam da mira dos tiras”. “São eles é que forçam, são eles que atiram/ Reze pra sobreviver”, completava o refrão. Laércio tinha pouco mais de 18 anos nessa época, e foi também nesse período que nasceu sua primeira filha.


Spensy Pimentel

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